Rogério Casanova já lhe chama qualquer coisa como «a cerimónia oficial de não-entrega do Nobel a Philip Roth» e a verdade é que apesar de ser um dos escritores mais premiados do mundo - renova anualmente a sua liderança nos rankings das casas de apostas para a conquista do prémio - o Nobel continua, de facto, a ser «a cerimónia oficial de não-entrega do Nobel a Philip Roth» e a ser entregue a herthas mullers.
Quando Pedro Mexia fala nos grandes escritores americanos contemporâneos, costuma falar em Philip Roth, Don DeLillo, Thomas Pynchon e Cormac McCarthy. Henrique Raposo, há duas semanas, falava em Conspiração contra a América como o romance americano da década. A consagração é quase consensual e se Roth faz parte do futuro-presente Panteão, convém lê-lo rapidamente.
Roth ficciona aprofundando um dos grandes what if's da História americana: o que aconteceria caso Charles Lindbergh tivesse vencido as eleições presidenciais em 1941 e os EUA não tivessem intervido na 2ª Guerra Mundial?
Piloto condecorado e estrela da aviação americana, Lindbergh ficou conhecido pela travessia transatlântica sem escalas, no seu Spirit of St Louis - avião bimotor - e, mais tarde, por se ter oposto à entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial, à semelhança de muitos isolacionistas que à época viam a Guerra como essencialmente europeia. Ao mesmo tempo, surgiam focos de reacção anti-judaica a que Lindberg também ficou associado, especialmente após ter aceite uma condecoração do governo nazi e ter liderado alguns dos movimentos contra a crescente influência desta comunidade na sociedade norte-americana.
Mais tarde, o movimento isolacionista acabou por se evaporar quando o ataque japonês à base naval de Pearl Harbour- "brilhantemente" registada pelo filme homónimo - dissipou as dúvidas quanto à dimensão global do perigo nazi e levou os EUA a entrar na Guerra de imediato. Lindbergh desapareceu então da cena política e acabou por não voltar a ter a mesma exposição pública.
É esta parte da história que Roth interrompe e explora o potencial perigo de um anti-judaísmo, à altura, latente. Usando personagens históricas, em Conspiração contra a América Lindbergh vence as eleições a Franklin Delano Roosevelt e decreta a neutralidade americana na Guerra Mundial.
Os acontecimentos são vividos sob a perspectiva de uma família judaica de classe média, residente num bairro suburbano judaico de Newark, que assiste de forma incrédula à crescente intolerância perante os judeus e à manipulação quase hipnótica de uma Administração caucionada por uma sociedade inerte, desinformada e sem sentido crítico. A observação, profunda, dos dramas das personagens principais tem paralelo, por exemplo, em filmes como American Beauty ou séries como Six Feet Under, em que as relações e o quotidiano das personagens se sobrepõe às acções, mas sempre sob um background interveniente. Talvez não seja o paralelo mais eficaz mas ajuda ao percebermos que a história é narrada por uma criança (Philip Roth feito personagem infantil) que assiste a muitos acontecimentos cujas complicações não compreende e cujo percepção do mundo é feita principalmente pelo impacto que esses acontecimentos têm no seio da sua família.
Este livro dava um grande filme porque apesar de tudo radica numa narrativa de contornos mais clássicos: de linguagem simples e história linear, sem grandes ornamentos estilísticos. É um livro sobre o perigo das pequenos focos de intolerância que esporadicamente surgem nas sociedades modernas, contra algumas minorias, e a percepção de que os grandes conflitos têm sempre uma implicação global. É um livro exaustivo, de que gostei muito e que considero especialmente bem escrito.
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