2010-12-08

Livro #10 (II)


Intrinsecamente um idiota

"E depois? Posso passar uma noite a beber com um assassino e talvez, ao contemplarmos os dois a aurora, nos ponhamos a cantar ou a trautear uma peça de Beethoven. E depois? O assassino pode chorar até no meu ombro. Normal. Ser assassino não é fácil. Nós sabemos isso bem, o senhor e eu. Não é nada fácil. Exige pureza e vontade, vontade e pureza. A pureza do cristal e uma vontade de ferro. E até posso eu pôr-me a chorar no ombro do assassino e sussurrar-lhe palaras doces como «irmão», «camarada», «companheiro de infortúnios». Nesse momento, o assassino é bom, dado que é intrinsecamente bom, e eu sou um idiota, dado que sou intrinsecamente um idiota, e ambos somos sentimentais, dado que a nossa cultura tende irreprimivelmente para a sentimentalidade. Mas quando a obra se acaba e eu estou sozinho, o assassino abrirá a janela do meu quarto e entrará com os seus passinhos de enfermeiro e degolar-me-á até que não reste uma gota do meu sangue."

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