Há uma coisa que tenho vindo a aprender nestes últimos anos: por muito boa seja uma viagem, há sempre o culpado prazer do regresso. Tenham sido sete dias no Japão ou nas Seychelles, o viajante vai sentir-se feliz por estar de volta a casa. Não há nada como o conforto do sofá, das refeições quentes ou da TV por cabo. E foi nisto que pensei quando, a uns milhares de pés de altitude, constatava o completo caos que é o ordenamento do território português - sim, Portugal é imediatamente reconhecível em altitude ao verificarmos que não existe qualquer conceito de geometria ou linearidade na construção urbanística. Não há feng-shui que nos valha.
A Suécia é, desde que entrei na puberdade, o país que sempre quis conhecer. Não por influência da fase hormonal que então principiava mas, sobretudo, pelas bandas que ouvia na altura, o chamado
death metal sueco: Opeth, In Flames, Katatonia, Dark Tranquillity, etc. E se não eram suecas, as bandas eram norueguesas ou finlandesas. Um poço de motivações legítimo, portanto. Mais tarde, e à medida que ia acumulando leituras, fui acrescentando motivações de outra espécie para gostar dos escandinavos, nomeadamente política, cinema, natureza e aprofundamento da democracia (miúdas). No fundo, era o sonho de mais um adolescente que não tinha muitos (aliás, que outro país teria um programa da manhã
"assim"?). Este sonho viria, mais tarde, a ser prematuramente relativizado com a viagem a um outro país nórdico (ou semi-escandinavo), a que hoje chamamos de Islândia.
Estocolmo é a cidade que podemos ver na fotografia acima. Arquitectura marcadamente escandinava, limpa, bem conservada e rodeada de água. Ao centro, uma pequena península alberga a zona histórica (a chamada
Gamla Stan) e separa as duas faces mais urbanizadas de Estocolmo (Norrmalm à esquerda e Söderrlam à direita). Do lado de cima, temos o Mar Báltico que nos conduz às cerca de 30 000 ilhas onde a maioria dos
estocolmitas têm as suas
summerhouses, o chamado Arquipélago; em baixo, o Lago Mälaren, um dos maiores da Europa e onde os nativos se aventuram quando no Inverno a sua superfície congela. Ao epíteto "
A Veneza do Norte" atribuído à cidade de Estocolmo, eu respondo com um "
A Paris Escandinava": cosmopolita e orgulhosa das suas raízes, o design moderno de Estocolmo convive tranquilamente com os omnipresentes símbolos monárquicos da Casa Real Sueca. Um quase paradoxo numa sociedade tão liberal mas que de alguma forma parece fazer sentido.
Um
Get to Know Stockholm de quatro dias foi o plano considerado necessário a uma rápida mutação do turista português em Tomas Tranströmers turísticos, com a visita a muitos dos locais mais emblemáticos da capital sueca. Desde o Museu Nacional com as suas exposições de pintura sueca do séc. XVIII - e acima de tudo a exposição
As Quatro Estações, brilhantemente preparada aliás, e onde se reflecte sobre os processos de criação da identidade nacional construída sobre a paisagística do país, a partir da criação artística do início do século XX - passando pelo edifício da Câmara Municipal onde é servido o banquete anual do Prémio Nobel, ou o Riksdag, o
famoso parlamento sueco e responsável pelo momento mais excitante da incursão.
Destaco também o pequeno bairro de Gamla Stan. Foi neste pequeno bairro onde os grandes momentos foram vividos - nomeadamente a comemoração do remate certeiro do jogador Bruno César contra os romenos do Oțelul Galați. Decentemente comemorado, posso assegurar. E foi também na sequência desta comemoração que foi registada a melhor marca pessoal do ano no que às despesas em cerveja, em % do PIB, concerne e onde posteriormente os caminhos da madrugada turva nos cruzaram com um interessante leque de personagens potencialmente literárias que vão desde a versão sueca de
Chris Crocker a uma jovem diplomata colombiana louvando o latinismo cavalheiro quando confrontada com a sua primeira experiência de homem sueco. Sem esquecer, claro, a alegria incontida de um jovem brasileiro que acabara de descobrir a existência de um secador na casa de banho comum do hotel. O garoto passou a ser um assíduo do "banheiro".
A experiência não podia ser completa sem uma visita à "
Natureza". Num retiro às quasi-desertas ilhas do Báltico, para retemperar energias, comunicar com os deuses pagãos, ouvir os passarinhos e essas coisas todas que nos deixam de bem com a vida. Tenho de reconhecer não haver nada como tomar o café da manhã com vista para o Báltico.
De uma forma geral, a Suécia não é como a Islândia. Não é nem um
contacto íntimo com a divindade criadora do universo, nem o local onde encontraremos a resposta para todas as nossas dúvidas existenciais - frase provada cientificamente com o curto diálogo ao balcão de um britânico alegre que perguntava a um barman local:
- So...what's the meaning of life?
- I don't know - respondeu o sueco.
- You are a barman, you should know those things.
Naquele que foi um momento cristalizador das angústias do ser humano quando confrontado com
uma realidade da qual apenas suspeitava existir. Grande
Sverige.